07 setembro 2006

Bhagavad Gita

"A energia primeva é imanifesta; a vida consciente, a mente e a invisível força do espírito, os sentidos externos e os objetos da sua percepção, formam o veículo que a alma constrói.
Afeição e aversão, prazer e dor, percepção, vontade, intelecto e consciência, são estes os atributos que lhe competem,
Humildade, sinceridade, paciência, probidade, não-violência, pureza, fidelidade, constância, fortaleza, autodomínio, amor à verdade, reverência em face do sagrado.
Menosprezo de satisfações sexuais, total libertação do egoísmo, clareza sobre o valor relativo de nascimento e morte, velhice, enfermidade e dor,
Liberdade de Apego, não-identificação do Eu com esposa ou filho, casa ou qualquer propriedade material, manutenção da serenidade interna em face de circunstâncias gratas ou ingratas,
Indeclinável devotamento a mim, obtido por incessante focalização do meu Ser; amor à solidão, aversão à adulação pública,
Consagração ao conhecimento da verdade e à realização do Eu - tudo isto é chamado sabedoria, e o que é contrário é ignorância."
Bhagavad Gita (Tradução de Huberto Rohden)

18 junho 2006

Céu de Baunilha

Sempre que assisto as últimas cenas deste filme sintonizo-me naquela corrente de reflexão interna que se desencadeia no personagem. Tomo para mim aqueles questionamentos e deixo a música sem nome elevar minhas emoções, aglutinando tudo num soluço que não sai, nas lágrimas oscilantes em minhas pálpebras, no choro contido. Percebo como a morte pode ser encarada como um momento de reflexão póstuma, pois é ler o livro que se escreveu e que não mais pode ser apagado. Não é arrependimento, muito menos falta de orgulho, ou mesmo a presença deste na sua forma peçonhenta, mas é somente concluir que a única oportunidade que tivemos pode ter se perdido em sonhos que não eram nossos.
O coração aperta ao cogitar que uma vida inteira pode ter sido empregada na busca de um sonho falso, que assim o é não por ser de outra pessoa, mas por não ser de pessoa alguma, e ao mesmo tempo sê-lo de todos. O que eu busquei? Em que objetivos empreguei meus esforços? Ah, como me doem estas perguntas. Sei que falhei por muitas vezes, mas não pode ter sido tudo em vão. Agora sei que todo o esforço inútil serviu de aprendizado valioso, e assim o é mesmo que não sirva mais para mim. Talvez a experiência sirva apenas aos mais novos, que podem contar com alguns atalhos descobertos pelo seu velho avô. Sim, pode ser inútil a mim tantos sentimentos guardados. Mas de alguma forma me realizei, pois com a reflexão das experiências pude descobrir o que eu buscava. E este descoberta foi como a própria realização do sonho.
Agora sei porque me entreguei a paixões instantâneas, sacrifiquei a mim e a outros, disse que amava e que odiava, relutei em aceitar o fatídico destino, desconfiei da felicidade em seus poucos momentos de existência, deixei de lutar quando mais devia. Tudo isso porque eu buscava o amor. Simples assim, o amor. Este cálice tão raro e delicado, que deixei passar por minhas mãos simplesmente por não saber como ele era na realidade. Eu buscava um amor de filme e de novela, um romance com a vida, uma entrega mútua e verdadeira, desprendida. Esse era o amor. Mas este não é o amor. Amor brota porque se rega. Amor nasce quando se planta. Amor romance é conseqüência do amor a si próprio, refletido nos outros. É quando se quer bem a outrem, sem que se faça mais perguntas. Eu buscava receber amor sem ter dado amor. Por isso ele nunca chegou.
A vida não é para ser vivida como uma busca egoísta, onde somente nós mesmos devemos receber. A vida deve ser vivida com entrega, dedicação. O amor surge quando é cultivado no coração de outra pessoa. Assim o seu amor surgirá, e quando isto acontecer alguém também cultivará amor no seu coração. Este amor que sempre busquei existe, mas somente nasce quando nos permitimos a dar antes de receber.

19 dezembro 2005

A Tempestade

O Pássaro e o homem tem essências diferentes.
O homem vive à sombra de leis e tradições por ele inventadas;
o pássaro vive segundo a lei universal que faz girar os mundos.
Acreditar é uma coisa; viver conforme o que se acredita é outra.
Muitos falam como o mar, mas vivem como os pântanos.
Muitos levantam a cabeça acima dos montes;
mas sua alma jaz nas trevas das cavernas.
A civilização é uma arvore idosa e carcomida,
cujas flores são a cobiça e o engano e cujas frutas
são a infelicidade e o desassossego.
Deus criou os corpos para serem os templos das almas.
Devemos cuidar desses templos para que sejam
dignos da divindade que neles mora.
Procurei a solidão para fugir dos homens, de suas leis,
de suas tradições e de seu barulho.
Os endinheirados pensam que o sol e a lua e as estrelas se levantam
dos seus cofres e se deitam nos seus bolsos.
Os políticos enchem os olhos dos povos com poeira
dourada e seus ouvidos com falsas promessas.
Os sacerdotes aconselham os outros,
mas não aconselham a si mesmos,
e exigem dos outros o que não exigem de si mesmos.
Vã é a civilização. E tudo o que está nela é vão.
As descobertas e invenções nada são senão brinquedos
com a mente se diverte no seu tédio.
Cortar as distâncias, nivelar as montanhas,
vencer os mares, tudo isso não passa de
aparências enganadoras, que não alimentam o
coração e nem elevam a alma.
Quanto a esses quebra-cabeças, chamados ciências e artes,
nada são senão cadeias douradas com os quais o homem
se acorrenta, deslumbrados com seu brilho e tilintar.
São os fios da tela que o homem tece desde o inicio
do tempo sem saber que, quando terminar sua obra,
terá construído a prisão dentro da qual ficará preso.
Uma coisa só merece nosso amor e nossa dedicação, uma coisa só...
É o despertar de algo no fundo dos fundos da alma.
Quem o sente não o pode expressar em palavras.
E quem não o sente, não poderá nunca conhecê-lo através de palavras.
Faço votos para que aprendas a amar as tempestades em vez de fugir delas.

Gibran Khalil Gibran (1883-1931)

28 novembro 2005

It makes me wonder...

Depois de ler umas vísceras de fora, percebi uma nova faceta do individualismo humano. Tão singela é que chega a se misturar com a prepotência. Engraçado como dedicamos boa parte de nosso tempo tentando “ler” as razões dos outros, apoiados por nosso grande e maldito ego. Parece-me uma tríade do mal: olhos, boca e “achismo”. Ao lidar com alguém, começamos pelo que vemos, depois pelo que ouvimos e, finalmente, pelo que achamos. Não nos contentamos em apenas tratar as pessoas como eles se mostram. Temos que usar nosso faro de cachorro burro para procurar chifre em cabeça de cavalo. E esta expressão parece vir bem a calhar para o caso.
Os ignorantes têm uma faculdade incrível de apenas tratar o seu próximo da maneira como ele se mostra. Não ficam inferindo quem eles realmente poderiam ser, ou se existe um rosto qualquer por detrás de uma possível máscara. Apenas tratam o bondoso como bondoso, o amargo como amargo, o doce como doce, e respeitam os nuances de cada personalidade, simplesmente porque enquanto há vida, há mudanças. Assim os ignorantes parecem ter a almejada felicidade, justamente por não se ocuparem como investigadores dos pensamentos alheios. Apenas dão às pessoas o que elas parecem merecer. E o mais importante é que esta atitude garante não haver erros em julgamentos de caráter, já que se baseia nos fatos como eles foram mostrados. O subjetivo não tem espaço. E não deveria ter mesmo, pois quem é você para tentar descobrir ou entender o que se passa na roda viva de fogo e tempestade que é o bater de um coração humano?
O único verdadeiramente prejudicado com o uso de máscaras é quem as usa, já que este perde sua personalidade, transformando-se em um alguém que flutua sobre a vida. Diferente é daquele que procura sempre fazer o certo, mas escolhe sua própria forma de fazê-lo. Pode até parecer não condizer com os princípios de quem luta, mas o importante é que a bandeira permaneça tremulante, mesmo se não puderem vê-la. E pobres daqueles que desacreditam na verdade por ela simplesmente não poder ser mais vista. Estes padecerão em seus próprios mundos inventados e “achados”, longe das coisas que realmente são.
Se você não sabe, não tente achar. É melhor assim. Cada pessoa tem sua singularidade, sua forma de pensar e agir. E nada disso é imutável. A vida é justamente uma experimentação de cores, de misturas, para fazer do preto e branco das coisas um colorido mais feliz. O que muitos não entendem é que este quadro que se pinta com os sentimentos é próprio de cada um e representativo de um ser singular.

19 novembro 2005

Malamar

Diante da minha falta de inspiração, recorro-me ao poeta. E não há motivo para não admitir a maior e mais latente faculdade humana. Afinal, amamos sem saber o quê nem por quê. Somente sabemos que dependemos da nossa condição, seja ela qual for. Amamos o que está aos nossos pés e o inalcançável. Acho que na verdade amamos é viver emoções.


Amar

Que pode uma criatura senão entre criaturas, amar?
Amar e esquecer?
Amar e malamar
Amar, desamar e amar
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
Sozinho, em rotação universal,
se não rodar também, e amar?
Amar o que o mar trás a praia,
O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amor inóspito, o áspero
Um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte,
e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este é o nosso destino:
amor sem conta, distribuído pelas coisas
pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor
Amar a nossa mesma falta de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito e a sede infinita.


Carlos Drummond de Andrade